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Dois anos após ter tomado posse enquanto bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), Miguel Pavão fala sobre o caminho que tem sido percorrido desde então. Para o bastonário, o foco deste mandato assenta em três grandes áreas: a defesa de políticas de saúde oral que melhorem a qualidade de vida das pessoas, a valorização da classe profissional e a garantia de que a formação superior e pós-superior prestada em Portugal se torna uma referência europeia.
Que balanço faz destes dois anos?
Quando me candidatei a bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas não havia pandemia, esta apareceu durante o período eleitoral e permanece até hoje. No dia em que tomei as rédeas da OMD compreendi que ia enfrentar algo de que não estava à espera, nem eu, nem ninguém... O nosso primeiro desafio foi lidar com esta situação, para a qual não existia, por assim dizer, um modelo de atuação, pelo que se tornou numa prioridade comum no quotidiano das ordens profissionais. Começámos pela preparação do plano outono/inverno, no qual a OMD também colaborou, a seguir deu-se a integração dos médicos dentistas na linha de apoio aos profissionais de saúde e, depois, veio um processo difícil, muito exigente - e, que juntamente com o grupo COVID-19, me consumiu muita energia -, relacionado com a questão da vacinação aos médicos dentistas. Enfrentámos muitos constrangimentos e incertezas, e até alguma precipitação por parte dos colegas, o que gerou um grande tumulto inicial, próprio desta pandemia. No fim, podemos dizer que o resultado é satisfatório e que correu tudo bem, porque encontrámos um “ponto de abrigo”, o vice-almirante Gouveia e Melo, que trabalhou com confiança, profissionalismo, sem falsear expectativas, e que nos permitiu comunicar corretamente com a classe. Diria que o processo entrou numa normalização e vamos tendendo para uma situação mais tranquila.
Que mudanças foram já concretizadas?
Já há trabalho feito. Nos primeiros seis meses, o espaço físico da OMD sofreu remodelações, houve a integração da nova equipa e a criação de novos departamentos, em que destaco o Gabinete de Acompanhamento ao Médico Dentista, o que nos ajudou a pôr em marcha o nosso plano de ação para quatro anos. Além disso, foram lançados os colégios das especialidades de Cirurgia Oral, Odontopediatria e Periodontologia, onde tivemos as primeiras eleições com voto eletrónico, algo muito importante para mim, porque sempre acreditei que as instituições têm que acompanhar os fenómenos da vanguarda. A nossa Ordem, durante muito tempo, não quis evoluir neste sentido. Nós, à primeira oportunidade, avançámos. Para além de avançarmos com um conjunto de regulamentos, onde destaco o das competências setoriais, que está em curso. Lançamos a Bolsa de Formação Professor João F. C. Carvalho, que muito dignifica a memória de um dos fundadores da OMD e prestigia a nossa profissão. Outra medida que fizemos avançar foi o exame de competências linguísticas, a Prova de Comunicação em Medicina Dentária, destinada aos candidatos estrangeiros, tendo o Instituto Camões como parceiro capaz de validar as competências fundamentais para a relação médico/doente. No seguimento da formação, criámos o Fórum Ensino e Profissão Médico-Dentária, juntamente com a Associação Nacional de Estudantes de Medicina Dentária (ANEMD), uma plataforma que tem como fulcro os futuros médicos dentistas, estudantes e colegas recém-formados. Se esses colegas não estiverem no cerne das nossas decisões, não os estamos a defender verdadeiramente. Tudo aquilo que diz respeito ao ensino e à profissão só se vai repercutir daqui a uns anos. Por isso, esta plataforma desencadeou a criação de cimeiras do ensino superior.
Em relação à antiga direção, que caminhos diferentes estão a ser tomados?
Diria que a atual direção tem dado sinais importantes de mudança sem, no entanto, respeitar a instituição OMD e o seu legado. Qualquer instituição que não se renova corre o risco de cristalizar, pelo que o meu projeto vai no sentido da mudança e da evolução. Nesse sentido, tenho abraçado algumas causas, como a questão da medicina dentária no Serviço Nacional de Saúde, a atenção aos mais jovens, a proximidade, o diagnóstico de empregabilidade, a realização do Estudo de Apuramento de Custos em Medicina Dentária da Universidade do Algarve, e ainda a realização de estudos que permitam adquirir um conhecimento mais claro e exato da realidade da profissão. Com uma proximidade à classe, quer através da descentralização das reuniões do Conselho Diretivo, quer ainda da minha disponibilidade, todos os meses, para ouvir os colegas através da “via verde bastonário”, o que tem sido uma experiência fascinante. Esta mudança de paradigma ficou evidente logo desde o primeiro momento, tanto nos assuntos internos, como na relação da Ordem com outras instituições. Veja-se, por exemplo, a posição que adotámos relativamente ao dossier da radiologia: contrariámos aquilo que estava definido e conseguimos que o Governo compreendesse a necessidade de alterar a lei. Sem qualquer presunção da minha parte, esta revisão da lei não teria sido feita sem a intervenção da OMD e o muito trabalho que realizámos. O processo ainda não está concluído, pelo que é cedo para fazer um balanço, mas diria que provocar a alteração de uma lei (nº 108/2018) com menos de três anos e que envolve cinco ministérios é, à partida, uma conquista importante. E tivemos também outra notícia muito positiva: a redução do número de horas de formação. Ou seja, a lei nº 227/2008 obrigava-nos a fazer 100 horas de formação e, neste momento, conseguimos uma proposta de redução para 24 horas, o que já é muito satisfatório. A par disto, ativámos - logo em 2020 - o congresso da OMD que tinha sido cancelado devido à pandemia, realizando o evento online, contra tudo e contra todos! Foi uma experiência completamente nova, mas o conhecimento adquirido permite-nos agora transmitir em streaming os nossos congressos e as ações de formação contínua, chegando a mais médicos dentistas. Olhando para trás, diria que não fizemos mais do que a nossa obrigação. A nossa Ordem estava a necessitar de uma lufada de ar fresco e tenho muita pena, enquanto médico dentista, que não tivesse aparecido há mais tempo alguém que insuflasse sangue novo na Ordem. Alguém, enfim, disposto, motivado e comprometido com a necessidade de valorizar a enorme capacidade de tantos médicos dentistas.
O que podemos esperar da OMD para os próximos tempos?
Estou muito otimista em relação ao que aí vem. Há uma maioria absoluta na Assembleia de República e esta estabilidade política, espero, permitirá concretizar as promessas e as reformas na área da saúde oral que constavam do programa eleitoral do PS. Não esqueço, por exemplo, que, durante o roteiro “Medicina Dentária no SNS” que fiz em outubro, a atual ministra da Saúde prometeu avançar com a carreira do médico dentista no SNS. Sabemos ainda que há fundos que permitem reforçar as políticas de saúde oral. Foi-me dito que, no Plano de Recuperação e Resiliência, entravam mais oito milhões de euros para a saúde oral, o que é manifestamente pouco. Nós tentámos também contribuir, durante este ano e meio, com algumas ideias concretas, nomeadamente com a proposta de destinar 30% do imposto sobre bebidas açucaradas à saúde oral. Temos ainda a pretensão de elaborar o Livro Branco para a Medicina Dentária em Portugal, cujo grupo de trabalho foi recentemente constituído e será dirigido pelo Dr. Fernando Guerra. Trata-se de uma ferramenta que permitirá traçar cenários e espelhar as nossas ambições para o futuro da profissão. Estamos também a trabalhar outros dois dossiês muito importantes: a comissão pericial da OMD, que inclui a criação de uma bolsa de médicos dentistas com competências específicas na área da justiça forense (o regulamento da bolsa existe desde 2015, mas, até à data, não se tinha dado um único passo no sentido de fazer avançar este processo); e o enquadramento do estatuto de diretor clínico, para que este cargo, de grande responsabilidade, não seja ocupado por uma pessoa sem experiência ou maturidade... É um processo moroso, porque envolve várias ordens profissionais, mas gostaríamos de deixar esta marca na OMD. Por fim, temos a intenção de criar uma delegação da OMD na região centro e a Casa do Médico Dentista (não sei se ainda será possível concretizar este projeto durante o presente mandato), à imagem do que acontece na Ordem dos Médicos, com condições para que os colegas se sintam em casa e vejam a OMD como a sua família. Mais do que pelo discurso, a união da classe alcança-se pelos atos concretos e pelas dinâmicas que formos capazes de criar.
Se as eleições fossem hoje, voltaria a candidatar-se a bastonário da OMD?
Nunca parei para pensar nisso (risos). O meu dia a dia está focado no meu plano de ação. Estou aqui para servir, ser inclusivo e tentar encontrar convergências. É a minha forma de estar. É um desafio grande, pois as solicitações na Ordem são muitas e tenho que conciliar o papel de bastonário com o trabalho clínico e com a vida pessoal... Mas não estou arrependido, disso tenho a certeza!
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