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"A nossa Ordem estava a necessitar de uma lufada de ar fresco"

Miguel Pavão fala ao Dental Tribune Portugal (Imagem:Dental Tribune Portugal)

sex. 22 abril 2022

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Miguel Pavão fala ao Dental Tribune Portugal sobre o caminho que tem sido percorrido desde que passou a liderar a Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), em julho de 2020. Nesta primeira parte da entrevista, apresentamos o balanço de cerca de ano e meio de Miguel Pavão à frente da OMD.

Que balanço faz dos meses enquanto bastonário da OMD?

Este ano e meio passou a voar, desde logo por um conjunto de experiências e circunstâncias que todos fomos vivendo. Quando me candidatei a bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas não havia pandemia, esta apareceu durante o período eleitoral e permanece até hoje. No dia em que tomei as rédeas da OMD compreendi que ia enfrentar algo de que não estava à espera, nem eu, nem ninguém... O nosso primeiro desafio foi lidar com esta situação, para a qual não existia, por assim dizer, um modelo de atuação, pelo que se tornou numa prioridade comum no quotidiano das ordens profissionais.

Começámos pela preparação do plano outono/inverno, no qual a OMD também colaborou, a seguir deu-se a integração dos médicos dentistas na linha de apoio aos profissionais de saúde e, depois, veio um processo difícil, muito exigente - e, que juntamente com o grupo COVID-19, me consumiu muita energia -, relacionado com a questão da vacinação aos médicos dentistas. Enfrentámos muitos constrangimentos e incertezas, e até alguma precipitação por parte dos colegas, o que gerou um grande tumulto inicial, próprio desta pandemia.

No fim, podemos dizer que o resultado é satisfatório e que correu tudo bem, porque encontrámos um “ponto de abrigo”, o vice-almirante Gouveia e Melo, que trabalhou com confiança, profissionalismo, sem falsear expectativas, e que nos permitiu comunicar corretamente com a classe. Diria que o processo entrou numa normalização e vamos tendendo para uma situação mais tranquila.

A profissão “sofreu” com a pandemia?

Durante este período existiram muitas incertezas relativamente à situação da Medicina Dentária. Fomos postos em causa, pensámos muitas vezes qual seria o futuro da nossa atividade médica. Mas as ameaças fizeram-nos refletir e verificámos a validade do adágio, segundo o qual aquilo que não nos mata torna-nos mais fortes. Verificámos também que prestamos um serviço essencial de base médica, de saúde, satisfazendo uma necessidade que não é supérflua, o que nos posiciona relativamente a muitas outras áreas que acabaram por ficar mais fragilizadas.

Isto demonstrou que o papel do médico dentista é central para o bem-estar e a vida das pessoas. Mas, há ainda outras questões que vieram a ser exacerbadas com a covid-19, como é caso da fadiga e do stress pandémico, com consequências diretas sobre a nossa profissão. No entanto, percebemos que a Medicina Dentária, que sofreu bastante com tudo isto, demonstrou não ser um setor desregulado ou pouco consolidado, acabando por se afirmar. As ameaças que sobre nós pairam são, assim, aquelas que já existiam antes, como por exemplo a precariedade na profissão ou a emigração dos mais jovens.

“Mudar. Pelo Futuro da Profissão” foi o lema da sua campanha. Que mudanças foram já concretizadas?

Já há trabalho feito. Nos primeiros seis meses, o espaço físico da OMD sofreu remodelações, houve a integração da nova equipa e a criação de novos departamentos, em que destaco o Gabinete de Acompanhamento ao Médico Dentista, o que nos ajudou a pôr em marcha o nosso plano de ação para quatro anos. Além disso, foram lançados os colégios das especialidades de Cirurgia Oral, Odontopediatria e Periodontologia, onde tivemos as primeiras eleições com voto eletrónico, algo muito importante para mim, porque sempre acreditei que as instituições têm que acompanhar os fenómenos da vanguarda.

A nossa Ordem, durante muito tempo, não quis evoluir neste sentido. Nós, à primeira oportunidade, avançámos. Para além de avançarmos com um conjunto de regulamentos, onde destaco o das competências setoriais, que está em curso. Lançamos a Bolsa de Formação Professor João F. C. Carvalho, que muito dignifica a memória de um dos fundadores da OMD e prestigia a nossa profissão. Outra medida que fizemos avançar foi o exame de competências linguísticas, a Prova de Comunicação em Medicina Dentária, destinada aos candidatos estrangeiros, tendo o Instituto Camões como parceiro capaz de validar as competências fundamentais para a relação médico/doente.

No seguimento da formação, criámos o Fórum Ensino e Profissão Médico-Dentária, juntamente com a Associação Nacional de Estudantes de Medicina Dentária (ANEMD), uma plataforma que tem como fulcro os futuros médicos dentistas, estudantes e colegas recém-formados. Se esses colegas não estiverem no cerne das nossas decisões, não os estamos a defender verdadeiramente. Tudo aquilo que diz respeito ao ensino e à profissão só se vai repercutir daqui a uns anos. Por isso, esta plataforma desencadeou a criação de cimeiras do ensino superior.

Quais são os principais resultados das duas cimeiras já organizadas?

O objetivo desta iniciativa é debater os temas relacionados com a qualidade do ensino e com a abordagem de uma eventual reforma do sistema, adaptando-o aos desafios da profissão em Portugal. A primeira cimeira do ensino superior decorreu a 24 de setembro de 2021 e a segunda a 21 de fevereiro de 2022. Fiquei muito satisfeito por verificar que um dos pressupostos da primeira cimeira está a avançar: a constituição do Conselho de Escolas Médico-Dentárias, que permite à OMD ter uma plataforma de diálogo com as faculdades, contribuindo para estabelecer parâmetros comuns, claros e bem definidos, no que respeita à formação mínima e indispensável para assegurar uma boa capacitação aos futuros médicos dentistas.

É, por exemplo, necessário repensar a reformulação curricular do Mestrado Integrado em Medicina Dentária (MIMD) e a possibilidade de reverter aquilo que Bolonha nos trouxe. Bolonha foi uma oportunidade de uniformizar matérias no espaço europeu, mas verificou-se que acarretou algumas desvantagens, nomeadamente na diminuição do contacto prático dos alunos com os pacientes, o qual, na nossa profissão, é muito importante. Daí estarmos a ponderar, em conjunto com as sete escolas médico-dentárias, a possibilidade de alargar o curso até ao sexto ano ou criar um estágio. Já esta segunda cimeira, depois da análise de um conjunto de inquéritos feitos aos colegas, resultou numa proposta sobre parâmetros de qualidade em diferentes dimensões (proteção do paciente, revisão curricular, avaliação...), procurando ir mais longe do que as entidades que avaliam, como a A3ES - Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior. E porque fazemos isto? A OMD sabe que tem limites relativamente à autonomia das faculdades, mas não podemos, em caso algum, deixar de acompanhar o ensino e as suas políticas para a Medicina Dentária. Nesse sentido, é nossa ambição lutar por uma formação com mais qualidade em detrimento da quantidade.

Em relação à antiga direção, que caminhos diferentes estão a ser tomados?

Diria que a atual direção tem dado sinais importantes de mudança sem, no entanto, respeitar a Instituição OMD e o seu legado. Qualquer instituição que não se renova corre o risco de cristalizar, pelo que o meu projeto vai no sentido da mudança e da evolução. Nesse sentido, tenho abraçado algumas causas, como a questão da Medicina Dentária no Serviço Nacional de Saúde, a atenção aos mais jovens, a proximidade, o diagnóstico de empregabilidade, a realização do Estudo de Apuramento de Custos em Medicina Dentária da Universidade do Algarve, e ainda a realização de estudos que permitam adquirir um conhecimento mais claro e exato da realidade da profissão. Com uma proximidade à classe, quer através da descentralização das reuniões do Conselho Diretivo, quer ainda da minha disponibilidade, todos os meses, para ouvir os colegas através da “via verde bastonário”, o que tem sido uma experiência fascinante.

Esta mudança de paradigma ficou evidente logo desde o primeiro momento, tanto nos assuntos internos, como na relação da Ordem com outras instituições. Veja-se, por exemplo, a posição que adotámos relativamente ao dossier da radiologia: contrariámos aquilo que estava definido e conseguimos que o Governo compreendesse a necessidade de alterar a lei. Sem qualquer presunção da minha parte, esta revisão da lei não teria sido feita sem a intervenção da OMD e o muito trabalho que realizámos. O processo ainda não está concluído, pelo que é cedo para fazer um balanço, mas diria que provocar a alteração de uma lei (nº 108/2018) com menos de três anos e que envolve cinco ministérios é, à partida, uma conquista importante. E tivemos também outra notícia muito positiva: a redução do número de horas de formação. Ou seja, a lei nº 227/2008 obrigava-nos a fazer 100 horas de formação e, neste momento, conseguimos uma proposta de redução para 24 horas, o que já é muito satisfatório.

A par disto, ativámos - logo em 2020 - o congresso da OMD que tinha sido cancelado devido à pandemia, realizando o evento online, contra tudo e contra todos! Foi uma experiência completamente nova, mas o conhecimento adquirido permite-nos agora transmitir em streaming os nossos congressos e as ações de formação contínua, chegando a mais médicos dentistas. Olhando para trás, diria que não fizemos mais do que a nossa obrigação. A nossa Ordem estava a necessitar de uma lufada de ar fresco e tenho muita pena, enquanto médico dentista, que não tivesse aparecido há mais tempo alguém que insuflasse sangue novo na Ordem. Alguém, enfim, disposto, motivado e comprometido com a necessidade de valorizar a enorme capacidade de tantos médicos dentistas.

A entrevista a Miguel Pavão faz parte da edição nº.1 da revista Dental Tribune Portugal.
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