A linguagem: a audácia do exercício da empatia

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A linguagem: a audácia do exercício da empatia

Cátia Íris Gonçalves, Médica Dentista (Imagem: Cátia Íris Gonçalves)

seg. 16 maio 2022

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Cátia Íris Gonçalves,

Médica Dentista

Mestrado em Periodontologia

Directora-adjunta revista OMD

Conselho Geral OMD

Em primeiro lugar, uma saudação calorosa à revista de medicina dentária que me roubou o coração há alguns anos, à qual com muito gosto volto para partilhar uma crónica; e os meus parabéns por esta nova aposta na integração da Dental Tribune, um forte grupo editorial composto por alguns dos principais editores do ramo médico-dentário internacional. O portfólio deste grupo editorial combinado inclui mais de 130 publicações e vários sites que alcançam mais de 650.000 dentistas em mais de 90 países e mais de 20 idiomas.

Escrevo-vos no dia em que, exatamente a meio do ano letivo, consegui transferir a minha filha, a pedido da mesma, para a disciplina de Francês, o que muito me alegrou. Não porque tenha uma especial preferência por esta língua, pelo país de origem ou por outro qualquer motivo que não o da sua expansão intelectual, a qual assenta em muitas disciplinas, métodos e experiências diferentes ao longo de toda a vida - e onde julgo ser de inestimável importância a exposição e aprendizagem de línguas estrangeiras com géneses e origens históricas diferentes, construções gramaticais distintas, sotaques únicos que são marcas e provas daquilo que é a sobrevivência e triunfo de um qualquer povo - a comunicação como base de entendimento intelectual, conhecimento e capacidade de empatia e adaptação.

Viver num mundo cada vez mais global acarreta os seus benefícios e faturas - e isto tem tanto de desafiante como de pacificador - estamos todos em constante processo de partilha, evolução e transformação. E, tal como na natureza, quem sobrevive e prospera será sempre quem melhor se adapta, não necessariamente o mais “forte” (seja lá o que isso for) ou mais apto numa dada fase pontual da vida - antes aquele que procura, constante e incessantemente, as soluções, as melhores respostas às solicitações, tomando decisões sem receio que sejam inovadoras, em busca de qualquer resultado melhor do que o que obtido até então.

Esta adaptação é feita de forma tanto mais eficaz quantos mais recursos estiverem disponíveis e quanto melhor for o poder de seleção e concretização dos mesmos numa situação concreta. Não é a primeira vez que digo isto, mas a mudança do mundo começa no pensamento - o qual é condicionado pela vivência e saber adquiridos, mais uns “temperos” intangíveis que vão dando ao nosso desempenho a singularidade que compõe as vontades e verdades universais. O veículo do pensamento é, incontornavelmente, a palavra - a nossa ação não existe sem ela, pelo simples facto de não sermos autossuficientes, ainda que muitas vezes nos enganemos ao assim pensar.

Todas as grandes personalidades históricas conseguiram, ao seu modo, comunicar, pôr “para fora”, de forma humilde, generosa, corajosa ou até autoritária e orgulhosa os seus pensamentos, dos mais simples aos mais rebuscados, sempre com uma motivação: obter um qualquer resultado (mais ou menos nobre) pretendido. Assim, como vos dizia, a aprendizagem de uma língua estrangeira, mesmo que também se origine do latim (mas cuja derivação histórica a faz diferenciar-se profundamente do nosso Português) tem de ter um impacto direto na intelectualidade do seu aprendiz: na criação de novos sistemas de pensamento, estruturação de raciocínios, da conversão intelectual e emocional, muitas vezes ambígua em algo concreto e inteligível, com o objetivo de o partilhar com outro. Não vejo forma mais despojada, mais altruísta, mais rica de aprender a verdadeira essência da vida - procurar formas para que se consiga compreender conteúdos dando destaque aos últimos, apetência essencial em qualquer aprendizagem de qualquer disciplina.

Este exercício, numa altura em que considero o ensino bastante anacrónico e desadequado em forma e conteúdo, de um modo geral, faz-nos sair da zona de conforto, do ninho seguro e garantido da língua materna e procurar recursos e paralelismos para que outros vejam, compreendam e sintam o mais possível a mensagem que queremos passar. Nenhum exercício é mais humilde e democrático, nenhum outro une seres pensantes como uma comunicação bem-sucedida.

Por isso, quando ouço e leio propostas de globalização que incluem supremacias linguísticas ou a implementação de uma língua universal, estremeço - que não nos esqueçamos nunca das nossas origens, lembrando-nos que, por exemplo, do mesmo latim derivaram e emergiram línguas tão distintas como o português e o francês, mas não por força de qualquer motivo facilitista: antes num discorrer de eventos históricos únicos, com características ímpares, reflexo de todos os impactos culturais, sociais e políticos de um grupo de conterrâneos inconformados com o laxismo, que tanto travaram batalhas para defender e conquistar aquilo que, ainda que com uma licitude questionável, achavam justo, como cederam ao entendimento diplomático, adquirindo novas competências para se fazerem entender e selar compromissos entre partes, recorrendo a um dialeto forasteiro para que a mensagem fosse claramente percebida.

Aí, algures, julgo residir uma das mais belas capacidades e heranças históricas do ser humano - a de se querer adaptar, focalizando a sua atenção no outro e o respeito e validação da diferença, de uma forma não imposta, não facilitista, não facciosa, mas antes honrada e espontânea, entre pares.

Bem-haja, equipa DentalPro, por promoverem a constante adaptação e novos caminhos.

Que a sorte sempre proteja os audazes!

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